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DRA. PAULA X ou Y

O dia estava quente, ainda que corresse uma aragem fresca, suave brisa vinda de Norte que mantinha a temperatura em níveis aceitáveis.
Pedro Bandarra aprimorara-se para esta entrevista um pouco mais do que habitualmente, o cabelo grisalho sobre a pele morena, extremamente morena, os olhos que transpareciam fidelidade aos princípios, olhos castanhos, profundos. Gostava de ter crescido um pouco mais, mas 1,65 era uma altura harmoniosa para o seu corpo, onde os 55 anos não impediam que se mexesse com bastante desenvoltura. Era uma figura charmosa, apresentável, e hoje trouxera o fato azul escuro, uma camisa azul claro e a gravata vermelha.
Parou o carro e colocou moedas que imaginou suficientes para a duração do encontro. Andou uns passos até ao número da porta. Era ali, um prédio de principio do século, que fora provavelmente restaurado, dada a aparência cuidada que ostentava. E lá estava o letreiro...Import /export....
Era todo um piso imenso, onde a recepção se destacava pelo conforto e bom gosto, quadros de Maluda, Viera da Silva...Uma menina linda na recepção.
Pedro Bandarra gostava do belo no feminino. Dizia que as mulheres o dispunham bem para a vida, a sua graciosidade encantavam--no e a sabedoria face ás trivialidades com que os homens encaravam as facetas do amor.
_Tenho uma entrevista com a Drªa Paula..X ou Y.
Telefonou, observou o movimento dos lábios, o decote onde os seios espreitavam provocadores, os lábios pronunciados, não muito grossos, pintados de vermelho, as pestanas em riste, uns olhos trémulos, castanhos, os olhos, um leve sorriso quando disse.
_A Drª Paula pede para esperar um pouco, está a atender um colega.
Pedro Bandarra sentou-se num dos sofás, não sem antes ter admirado os quadros expostos, havia também Cargaleiro, Paula Rego. Acenou com a cabeça. E pensou que eram amantes de cultura.
Era uma entrevista importante porque o cliente tinha potencialidades de compra, exportava, algo de que a sua empresa era carente. Daí ter colocado todo o seu empenho, conseguira que ela acedesse a recebe-lo, embora tentasse dizer-lhe que já tinha fornecedor fiável para o produto. Mas a voz dela era suave, maleável, indutora de que se insistisse..E ele insistira, também a voz dele soava de uma forma macia, quente. empática de som, sibilina.
Pensava que era importante que a visse, antes que aparecesse de chofre, saber se era velha, nova, bonita, e sentir os olhos, a cor dos olhos, se sorria, o andar, um todo que o ajudava a construir a personagem, a imaginar a estratégia de abordagem, se usava saia ou calça e o tipo de calçado.
_Drª Paula!...
Pedro Bandarra pensou, por momentos, que estava num sonho. Era uma mulher nova, não mais de 40, uma saia coleante sobre uns joelhos bem torneados, os pés pequenos, calçado clássico, uma blusa de tecido fino, quase transparente, um sorriso gigante nuns lábios de sedução plena, o cabelo curto, os olhos de um verde estranho, encantadores, que se iluminaram, o iluminaram quando se cruzaram com os dele, por breves segundos, na passada.
Uma passada de adolescente, onde todo o corpo sorria, encantava, se evidenciava.
Pedro Bandarra ficou confuso, abismado ante tamanha beleza. Não era a primeira vez que perdera de fazer o negócio porque se rendera aos encantos.
_Senhor Pedro Bandarra?
_Sim...
_Vamos...
"Porquê tão já?!...estou baralhado, ela suga-me com todo este aparato de mulher, bom ...em frente..." Pensou enquanto a seguia, aspirando aquele perfume quase natural." Seria mesmo natural? a fêmea saída?..."
A sala era espaçosa, bem ornamentada como tudo o resto. Mais quadros, uma música de fundo, Ravel?...algo de retumbante mas difundido em surdina.
_Meu caro Pedro Bandarra, o seu nome lembra-me alguém...
_Talvez o das profecias , um tal de Trancoso.
Trocaram cumprimentos, sorrisos, olhares e os nomes, sorveram os aromas no ar. Ela pensou que estava perante um homem já entradote na idade, com muito bom aspecto, apresentável no todo e com um ar simpático e apreciou, sobretudo, o tom, que lhe pareceu sincero, com que ele agradeceu ter-lhe dado a hipótese de ser recebido, de tentar demonstrar as qualidades do seu produto.
_Como lhe disse tenho fornecedores que me tem satisfeito há alguns anos com responsabilidade e profissionalismo, mas, porque acedi em ouvi-lo, diga-me em que é que o seu produto é diferente do dos outros?
O olhar dela era de desafio, mas simpático. Ele sabia que não podia confiar completamente na aparência do que lhe advinha do outro lado. Fixou-a sem medo, nos olhos. Eram verdes, os olhos dela, um verde estranho, embutido em outras cores ou nuances de cores. Lindos, influentes naquele encontro de negócios
O sorriso e os olhos formavam um conjunto surreal de imagem, parecia que se contradiziam, rutilantes...
                  


                                                       I I


As mãos dele sobre a mesa, o mais natural que lho permitia a sensação de estar perante uma mulher exuberante. e foi-lhe dizendo sobre o produto que representava, que parecendo igual, ele o sentia diferente, porque o sentia como único, pelo processo de fabrico, pela apresentação cuidada, a resistência, onde era garantida 10% mais de durabilidade e depois o preço...


Ela retornou, com um sorriso que o preço, como ele sabia era variável na definição das condições de factura, os descontos, os descontos sobre os descontos...Mas a fiabilidade do fabrico, a resistência era um factor importante. E disse-o com um ar sério.


"estou feito, vai tentar sugar-me até que desista, aqueles olhos, o sorriso...."


_E depois há a garantia de entrega nos prazos previamente acordados, como sei, se é a primeira vez? É um risco ...


Ela abanava a cabeça, sempre sorrindo, o corpo em uníssono. Ele sem palavras a pensar na derradeira sedução, uma brecha no discurso que lhe permitisse ganhá-la.


Ele retorquiu que a sua empresa era uma empresa idónea, que fornecia tais e tais entidades, algumas institucionais, que estavam num estádio de grande dinamismo e de conquista de quotas de mercado...que tinham certificados internacionais de qualidade, alá, alá, alá


_Você é do Benfica?, _perguntou Paula com malícia. Ele ficou, por um momento, estranhado pelo sem propósito da pergunta. Seria uma rasteira? Um desarme de argumentação?


_E a Dra Paula?,imagino que deve ser do Sporting, pelo tom dos olhos... riram-se os dois, talvez para desanuviar e passar a uma fase seguinte da discussão, mas passar esta, pensava Pedro, era muito importante. A venda faz-se por etapas encadeadas, por vezes descontinuadas do tema principal.


_Trate-me apenas por Paula. Sim, sou lagarta das couves, nasci Beirã, mas negócio é negócio. Conhaque é Conhaque.


_Dizem que já não há jovens adeptos do Sporting, a Paula deve ser uma excepção.


Ela deu uma gargalhada bem sonora, recostou-se na cadeira e, sem deixar de sorrir,


_Que idade pensa que tenho?


_A idade não é importante, não quero que pense que me imiscuo de algum modo na sua intimidade, digo que a sua aparência, a vivacidade e frescura que sinto em si, não terá mais que 34 / 35 anos...


O olhar dela era mais triste sem o sorriso explicito, mas bela. Os olhos a perscrutar a sinceridade do que ele dissera, Porque se sentia criança mas sabia que já ultrapassara a meia idade. Havia brilho nos olhos dele. Pareciam-lhe sinceros e como lhe sabia bem que alguém lho dissesse!...Não de uma forma aduladora, mas com ênfase, com a sinceridade que via no brilho dos olhos dele.


_Estou tentada a dar-lhe uma oportunidade, mas tem de se chegar aos preços que eu já tenho, menos 5% no valor global, após os ajustes e descontos de quantidade.


Pedro deu uma gargalhada.


_Paula, não quer que lhe ofereça o produto?


Ambos sabiam que o jogo estava a chegar ao fim e, a menos que surgisse uma gafe, tinham ganho o dia. Para Paula, a derradeira exigência era uma maneira de compor o orçamento, pedia 5  para aceitar o que viesse. Para Pedro, tinha os 5% para jogar, mas corria a seu favor o mínimo possível, aumentar-lhe-ia a percentagem de comissão e a performance de comercial duro.


Paula disse-lhe que sabia bem que os preços eram aleatórios. Havia uma crise internacional, financeira, é certo, mas que se reflectia na actividade das empresas e nas transacções internacionais o risco deveria ser prevenido com melhores compras.


_Qualquer um dos seus colegas estará disposto a negociar este desconto financeiro que lhe proponho.


Olhavam-se olhos nos olhos. O sorriso dela era leve, não tão evidente. De repente levantou-se para ir à janela fumar um cigarro.


_Fuma? Quer vir? Sempre o pode ajudar a decidir...


Pedro levantou-se e reparou na evidência de ela ser mais alta que ele, talvez 1,68 ou 1,70, esbelta, graciosa, elegantemente vestida, mas simpática, oferecendo-lhe lume do seu isqueiro de marca.


Falaram do tempo, da crise financeira, de deus, dos homens e mulheres em geral, de futebol, em cinco minutos de fumo. Uma vista soberana sobre a cidade poluída. E voltaram à mesa.


_O máximo, Paula, de desconto financeiro global, e atendendo ao volume da encomenda que é atractivo inegavelmente interessante, são 2%.


_Vá, não seja semítico, 2,5% e  fechamos o negócio, vou mandar passar a encomenda...


Pedro sentiu uma onda enorme de alegria, estava feito, não havia nada que o impedisse, ou parecia não haver, só quando a encomenda estivesse na sua mão. O seu sorriso era de agradecimento, de cumplicidade, uma cumplicidade abusiva, porque não existe  tal pressuposto numa negociação entre duas entidades que se complementam, mas que estão em lugares distintos da nomenclatura comercial.


_Paula, foi um prazer imenso negociar consigo, os 0,5 por cento pesam no meu orçamento ,mas são-lhe merecidos.


Paula deixou-o com um sorriso dos seus olhos verdes e agradeceu de igual modo o profissionalismo.


_Um dia convido-o para comer um achigã à minha moda....